Introdução
A motivação para escrever
este rápido ensaio sobre a função social dos contratos veio das discussões do
curso Função social do contrato e defesa dos Direitos Fundamentais coletivos e
difusos decorrentes na turma de mestrado em Direito da UNIMEP.
Procuramos discorrer,
brevemente, sobre temas que estamos tratando a algum tempo e que no curso
tivemos a oportunidade de revisitar.
Iniciamos com uma nota histórica
que procura descrever de forma resumida a nossa formação patriarcal e de como
esta formação contribui para uma pensamento ainda muito individualista entre nós.
Depois passamos a responder
ou ainda comparando definições de contratos tanto em nosso ordenamento como em
códigos alienígenas.
Destarte tentamos descrever
o significado de função social e o seu contexto nos contratos e como a questão
da função social vem sendo utilizada.
Feito este entendimento
passamos a apresentar algumas interpretações e comentários de conhecidos civilistas
e doutrinadores acerca do art. 421 do Código Civil de 2002. Estas interpretações
e comentários sobre a função social dos contratos reforçam a importância do
tema e mostram que as relações contratuais seguem para um novo patamar jurídico.
Patamar este que presa pelas relações e liberdade contratuais, mas também tem
um foco na questão social.
Por fim, apresentamos algumas
opiniões da professora Daysi Gogliano sobre a função social dos contratos. A
professora em questão tem ideias bastante restritivas com relação à redação do
art. 421 do CC/2002 e do uso prático da função social dos contratos. Procuramos
fazer um contra ponto entre as opiniões dos civilistas e doutrinadores aqui
apresentados e as da professora Daysi, mostrando que mesmo após 10 anos de vigência
do CC/2002 ainda existem fortes opiniões divergentes acerca da função social do
contrato e da sua eficácia.
Nota Histórica
Nossa sociedade tem sua
origem em profundas fundações patriarcais.
Este modo social se constituía em das relações familiares entre o senhor
de engenho e a metrópole. Raramente havia transações comercias entre as
capitanias. Dentro das capitanias, as propriedades se auto sustentavam, não
necessitando de contratos com fornecedores de bens ou serviços. A exceção da compra
e venda de escravos.
Falar de uma função social do
contrato neste período é totalmente inadequado, a menos que estejamos
observando a pura evolução da acumulação de capital para uma economia
capitalista, ou seja, o contrato assume uma forma puramente econômica sem se
preocupar com o bem estar social.
Nesta formação, patriarcal e
individualista, o homem de negócio que passa a surgir no Brasil a partir da
segunda metade do século XIX vê, em suas relações comerciais, a liberdade de negociar
e de auferir lucros não mais com a venda de escravos, mas com produtos e
serviços. Observa-se que as relações contratuais, expressão simplesmente da
vontade das partes, sem levar em consideração os impactos a terceiros, ou, para
usar um termo mais moderno, seu impacto ao meio ambiente.
Todos podem tudo –
permitindo a Lei – desde que os pactos sejam honrados. Quem comprou tem o
direito de receber e quem vendeu tem o dever de entregar, ou seja, o pacta sunt servanda[1]
é essencial para garantir a segurança jurídica da relação contratual, focando
puramente a relação individual e não coletiva.
Com esta arraigada
mentalidade que se desenvolve as relações capitalistas em nosso país e faz
nascer, tardiamente em nosso meio, o Código Civil de 1916 endossando a
liberdade contratual.
Entrementes, as relações
sociais que não são regidas apenas por contratos (sejam eles mercantis ou
civis) mas, por inter-relações sócio-político-econômicas faz com que alguns
tipos dessas relações saiam do bojo de que tudo é possível numa relação
contratual, bastando para isso que as partes manifestem sua vontade livremente.
Como exemplo, temos o contrato de trabalho.
Historicamente, a luta das
classes trabalhadoras, pressionaram por uma regulamentação dos contratos de trabalho.[2]
Por fim, após algumas
décadas de mandos e desmandos constitucionais em 1988 obtivemos uma
constituição que, de forma tardia, mas bem vinda, privilegia os chamados
direitos fundamentais[3].
Em 2002 entra em vigor o
Novo Código Civil que vem a modernizar vários aspectos do Código de 1916,
dentre eles seu artigo 421, a função social do contrato:
Art. 421. A liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Segundo Fernando Rister de
Souza Lima essas conquistas políticas ocorreram em pouco tempo e com muita
força no Brasil. Ao contrário disso, os direitos civis nos Estados Unidos
levaram séculos a serem conquistados, enquanto no Brasil, em duas décadas, o
judiciário ficou completamente sobrecarregado de demandas.[4]
Se comparado aos EUA, por
exemplo, não atingimos uma maioridade civil que nos permita utilizar o
judiciário com mais parcimônia e/ou procurar a conciliação antes mesmo de fazer
os trâmites judicias. Mas também entendemos que isso é um efeito benéfico, pois
o cidadão está se “sentindo no direito” de exigir do Estado a tutela de suas
reivindicações.
Talvez, a falta de uma forte
orientação sobre seus direitos crie uma sobrecarga de processos, que em vários
casos possam ser despropositados. Entrementes
não se pode olvidar que nesta seara também figura a pessoa do advogado que tem
por princípio fazer a devida orientação para que uma causa legítima chegue ao
judiciário.
O que é um Contrato?
Vimos anteriormente que
nossas relações social no período colonial eram bastante restritas tendo em
vista que o engenho praticamente se auto sustentava sem precisar manter
vínculos com outros a não ser a metrópole.
Se tomarmos que os contratos
nascem das relações sociais[5], em nosso período colonial
eles eram bastante restritos.
Neste sentido o nosso
Direito é fortemente influenciado pelo Direito Romano. O problema é que muito
do Direito Romano se perdeu com o passar dos séculos e desde a Idade Média vem
se tentando fazer sua recuperação através de várias interpretações.[6]
O Código Civil francês não
faz uma distinção entre obrigação e contratos simplesmente nominando em sua
terceira parte: “Des Contrats ou des Obligations Conventionnelles en
Général".
A definição de contrato
encontrada no artigo 1.101 do Código Civil francês é:
Art. 1.101 Le contrat est
une convention par laquelle une ou plusiers personnes s’obligent, envers une ou
plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pas faire quelque chose.[7]
Se antes o contrato advinha
da simples relação social, agora, no código francês de 1804, ele passa a ser
normatizado e tem a característica de uma convenção, uma pacto, um acordo, uma
aliança entre duas ou mais pessoas que tem a obrigação de fazer ou deixar de
fazer alguma coisa entre eles, sem levar em consideração terceiros.
Observamos que o foco desta
codificação é o bem material[8] e não as pessoas
envolvidas, não o bem estar humano. O que conta é a obrigação de fazer (ou
deixar de fazer). É uma relação puramente material. O escravo, por exemplo,
considerado uma res tinha toda sua
legitimidade contratual, descaracterizando a pessoa humana.[9]
Nosso atual Código Civil não
há uma definição formal de contrato como faz o Código Francês[10], ao contrário nossa
codificação deixa “espalhado” este conceito. Para construir uma definição de
contrato precisamos passar pela parte dos fatos jurídicos (art. 104 e 107)
depois ir até a parte do Direito das Obrigações (art. 233 e 247) até chegarmos
ao Título V Dos Contratos em Geral, onde encontraremos o art. 421. Esta ordem,
claro, não é aleatória.
É de se observar que a
junção de todas estas definições e/ou normas norteiam a definição de contrato e,
principalmente, tem um caráter puramente material.
Atualmente o contrato deixa
de ser meramente uma relação de obrigação material e passa a levar em
consideração os efeitos externos (à sociedade) e também os aspectos dos
direitos fundamentais. Exatamente isso que vai fazer o artigo 421 do nosso
Código Civil quando insere em sua redação a função social.
O que é Função Social?
Hodiernamente muito se tem
dito acerca das responsabilidades sociais, tanto da sociedade, como da empresa
como do indivíduo. Isso é fruto do acesso à informação. Quanto mais acesso à informação,
maior a responsabilidade do ente jurídico.
Parece que tudo tem que ter
uma razão, uma causa, uma função social, que justifique esta ação. Não se trata
mais de saber se é ruim ou bom, se causa dano ou não, é uma questão de se saber
se tem uma função social e se esta função social é benéfica para a sociedade em
que ela é praticada. Por fim, a função social passa a ser um princípio.[11]
Se esta nossa definição está
correta, então a função social é um princípio norteador da atual sociedade.
Veja que a função social não elimina as diferenças de classes, e ela nem se
propõe a isso, mas ela procura restabelecer o equilíbrio entre os indivíduos e
suas relações sociais.[12]
A professora Deyse Gogliano[13] diz que a palavra
“social, em sua acepção mais ampla sempre causa um “frenesi”, no sentido de nos
remeter a uma certa segurança, bem-estar, proteção ao economicamente débil,
naquela lembrança, sempre esquecida, de que “somos-com-outrem”, na expressão
heideggeriana e que nos conduz ao abandono do individualismo.
Não cremos que esta visão
heideggeriana esteja correta. Em nossa percepção a palavra social remete a
discussões acerca do social, porém sem olvidar o indivíduo. É mais uma questão
de discussão e razões de tal ato nas relações sociais do que, por exemplo, a
proteção ao economicamente débil. Se a relação social como a entende Weber, são
equilibradas, ou seja, se regem segundo uma dada orientação, não há o porque de
haver a tutela do mais fraco na relação. A questão que ainda se mantem de forma
hipócrita entre nós que um contrato é totalmente equilibrado, que ele nasce por
força da manifestação de vontade das partes e de que uma parte não impõe sua
vontade sobre a outra.[14]
Se existe uma efetiva
tendência à tutela do mais desfavorecido isso se dá justamente em prol da
função social, ou seja, das relações entre os sujeitos que coabitam na
sociedade e que, segundo André Trindade[15], reconhecem no outro a
sua função, a sua necessidade. Com isso banimos qualquer tentativa de individualismo,
por mais egoística que seja a intenção de uma das partes. E isso não se esgota,
pois quando o direito reequilibra esta relação ele pode estar desequilibrando
outra, desencadeando assim uma série de ruídos no sistema.[16]
Interpretações ao art. 421 do CC/2002
O artigo 421 do Código Civil
de 2002, é um dos mais extraordinários e polêmicos avanços do direito nacional.
Extraordinário porque insere,
em sua redação, a função social, ou seja, reconhece que o contrato não é algo
que é reconhecido como afetando apenas as partes diretamente envolvidas.[17]
Polêmico porque nem todos[18] concordam com a inovação
e com a redação dada pelo legislador ao artigo 42, levando a várias
interpretações e mesmo a imperfeições que poderiam prejudicar as relações
contratuais, em seus diversos entendimentos.
Vejamos alguns comentários
de renomados doutrinadores sobre o tema.
James Eduardo Oliveira[19]:
“A função social do contrato
é um dos mais qualificados canais de aspersão dos valores e princípios
constitucionais no campo das relações negociais privadas. Mas é preciso
advertir que a função social apenas qualifica, e não destrói a liberdade de
contratar e a autonomia da vontade.”
A observação de James
Eduardo Oliveira é muito pertinente. A redação do artigo 421 não ceifa a
autonomia de contratar, mas sim, qualifica as relações contratuais no âmbito de
sua função social. Outro ponto importante é o art. 421 estar alinhado com os
princípios e valores constitucionais, ou seja, há uma valorização dos
princípios fundamentais pautados na constituição de 1988.
Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery[20]:
“O CC celebra o princípio da
autonomia privada, sob cuja égide o sujeito de direito vivencia o poder de contratar
com liberdade, poder esse limitado, porém, à ordem pública e à função social do
contrato.”
Não é possível uma segura
interpretação do art. 421 sem lembrar do art. 2.035 em seu parágrafo único que
reza que a função social do contrato é de ordem pública, o que faz com que seja
impossível um preceito que seja contra ao que foi fixado na Lei.
Maria Helena Diniz[21]:
“O art. 421 é um princípio
geral de direito, ou seja, uma norma que contém uma cláusula geral. A ‘função
social do contrato’ prevista no art. 421 do novo Código Civil constitui
clausula geral, que impõe a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do
contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito;
reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e
justas e não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o
alcance desse princípio, quando presente interesses metaindividuais ou
interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.”
A professora Maria Helena
Diniz lembra que o art. 421 vem a manter o princípio da conservação dos
contratos quando este tende a reequilibrar a obrigação com base em sua função
social. Lembra também a questão constitucional que preserva a dignidade da
pessoa humana. Neste ponto é fácil lembrar dos contratos de trabalho, que
apesar da forte tutela da CLT, ainda encontramos situações de servidão que nada
devem ao nosso período escravocrata onde a dignidade da pessoa humana e seus
direitos fundamentais são totalmente deixados de lado. Neste sentido, verificamos
um forte diálogo das fontes[22] entre a Constituição, o
Código Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho.
Sílvio de Salvo Venosa[23]:
“O fato de este Código Civil
mencionar que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato nesse artigo sob epígrafe e a açular os contratantes
a portar-se com probidade e boa-fé (art. 422) abre toda uma nova perspectiva no
universo contratual, embora os princípios já fossem plenamente conhecidos no
passado. Trata-se de aplicação moderna da nova dialética do Direito.”
O professor Venosa coloca a
questão do art. 421 como um novo marco das relações contratuais, apesar dos
parâmetros estabelecidos por uma função social, segundo o professor, já
existisse, é justamente manter uma relação contratual equilibrada, com
probidade e boa-fé. Para ele, o artigo 421 traça novas fronteiras à dialética
do Direito. Agora as discussões são outras, as decisões são de outra natureza. Fazendo
uso da terminologia de Luhmann, o
sistema jurídico recebe novos inputs e precisa aperfeiçoar a sua comunicação.
Jones Figueirêdo Alves[24]:
“A concepção social do
contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual.
Defronta-se com o vetusto princípio pacta
sunt servanda, exaltado, expressamente, pelos Códigos Civis francês (art.
1.134)[25] e italiano (art. 1.372)[26], para, atenuando a
autonomia da vontade, promover a realização de uma justiça comutativa. A
moldura limitante do contrato tem o escopo de acautelar as desigualdades
substanciais entre os contraentes, como adverte José Lourenço, valendo como
exemplo os contratos de adesão. O negócio jurídico haverá de ser fixado em seu
conteúdo, segundo a vontade das partes. Esta, todavia, apresenta-se
autorregrada em razão e nos limites da função social, princípio determinante e
fundamental que, tendo origem na valoração da dignidade humana (art. 1º da CF),
deve prescrever a ordem econômica e jurídica. ”
O pacta sunt servanda, não está extinto[27]. Contratos foram feitos
para serem honrados. O que muda é a correlação de forças para o cumprimento
contratual. Aqui Jones Figueirêdo Alves, resgata o Code Civile e o Codice
Civile para exemplificar que o nosso Código Civil inova atrelando a questão da
função social aos contratos. Lembra também que a questão não se pauta na
relação contratual, todos continuam a fazer negócios com que quiser (autonomia
da vontade) mas o conteúdo do negócio jurídico deve ser observado.
Nelson Rosenvald[28]:
“A função social não coíbe a
liberdade de contratar, como induz a
dicção da norma, mas legitima a liberdade contratual. A liberdade de contratar
é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar. Porém, o
ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um
controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores
que estruturam a ordem constitucional.”
Da mesma forma, o professor
Rosenvald ilustra que a liberdade de contratar está garantida, o que deve ser
observado na relação contratual é seu conteúdo e para tanto faz uso do termo
“controle de merecimento”. Este controle de merecimento é o que baliza o
negócio jurídico em direção à sua função social. Finda-se o individualismo?
Pensamos que não. A individualidade está preservada, bastando, para isso, que o
negócio jurídico seja permeado nos limites da Lei. Posso fazer um contrato de
trabalho onde eu abro mão do salário? Sim, posso. Mas ele é um contrato válido
perante a lei[29]?
Não remunerar em um contrato formal de trabalho tem merecimento?
Para os doutrinadores que
apresentamos, a função social do contrato e sua redação no art. 421 é um avanço
em nosso meio social e ruma para um Estado de Direito.
Segundo TIMM[30], um estudo feito por
Armando Castelar Pinheiro mostra que 70% dos juízes entrevistados prefere fazer
“justiça social” a aplicar pura e simplesmente a “black letter law” e os termos
do contrato.
No sistema de busca do STJ
podemos encontrar, entre 2003 e agosto de 2012, 58 acórdãos que são decididos
com base na função social dos contratos.[31]
Já em 20/11/2003, ou seja,
menos de um ano de vigência do novo Código Civil a Ministra Nancy Andrighi
julga o recurso especial REsp 476649 / SP citando explicitamente em seu parecer
a função social do contrato.
Inferimos disso, que existe
uma forte tendência do judiciário a fazer uso, em seus julgamentos, da questão
da função social na relação contratual.
Há também os que observam
que a redação do art. 421 é despropositada e que este dispositivo fere a
liberdade contratual e fere a livre circulação de riqueza. Neste rol citamos a
professora Daisy Gogliano e passamos a expor o seu ponto de vista.
Contra ponto à função social do contrato
Anteriormente tivemos a
oportunidade de verificar a opinião de alguns brilhantes doutrinadores com
relação a importância do art. 421 do CC/2002. Não obstante as opiniões acerca
da utilidade deste dispositivo não são unanimes.
Em seu artigo “A Função
Social do Contrato”[32], a profa. Daisy Gogliano[33], tem opinião diversa da que
apresentamos aqui.
Diz a egrégia professora em
seu artigo:
“Por sua vez, cerceada a
‘liberdade de contratar’, na razão e
nos limites da função social do contrato,
observa-se, em face de sua péssima redação – será exercida – qualquer possibilidade de eventual infração ao
preceito ali contido, no seu imperativo
categórico, inarredável, dada a sua fatalidade inexorável, automática, alheia a
qualquer dever-ser ou poder-dever, sem qualquer destinatário, como disposição
geral e preliminar, no momento em que o Código Civil passa a tratar ‘Dos
Contratos em Geral’.”[34]
A professora Dayse entende
que a péssima redação do art.421 cerceia a liberdade de contratar justamente
por conta da razão e no limite da função social do contrato.
Se observarmos sob a égide
das relações contratuais o dispositivo não proíbe ninguém de manter relações
mercantis lícitas com quem quer que seja. O dispositivo não limita a liberdade
de contratar ele regula a forma e a finalidade do contrato. Como mencionado por
Nelson Rosenvald[35],
é o conteúdo do contrato que é balizado por sua função social, ou ainda, como
afirmou James Eduardo Oliveira[36], a função social apenas
qualifica e não destrói a liberdade contratual.
Outra importante observação
da professora Dayse é com relação à analogia que se faz entre a função social
da propriedade privada e a função social do contrato. Em sua opinião, esta
analogia é equivocada. Vejamos o que ela diz:
“Por outro lado, a função social do contrato, revelando-se
nebulosa e intangível, como modelo e parâmetro, não se confunde em hipótese
alguma com a ‘função social da propriedade’, nessa forçada e artificial
analogia que muitos pretendem construir, tergiversando a realidade e a verdade,
decantada em comentários apressados.”[37]
A Constituição Federal de
1988 em seu art. 5 inciso XXIII[38] diz que a propriedade
atenderá sua função social e o art. 170 inciso III, do mesmo dispositivo, fala
da função social da propriedade.
Temos dois pontos de
conjunção acerca da propriedade privada. Nossa Constituição coloca o mesmo instituto
em duas categorias diferentes no mesmo dispositivo. O art. 5 inciso XXIII está
na ordem dos direitos e garantias fundamentais e o art. 170 inciso III está na
ordem econômica e financeira. Qual a diferença? Nenhuma!
Antes da propriedade realizar
qualquer função social, é necessário garantir a sua posse. E é justamente isso
que faz o art. 5 em seu inciso XXII, ele garante o direito de propriedade
privada para depois dizer que esta propriedade deve cumprir sua função social.
Se a propriedade é antes uma
garantia fundamental e depois de ordem
econômica, seria natural inferir que os contratos, que são obrigações por
direito, antes devem exercer um princípio constitucional que é a função social,
para depois cumprir com sua finalidade econômica.
Vejamos o que o professor
Miguel Reale diz sobre este assunto:
“Um dos motivos
determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos
incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que
“atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função social da
propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos,
cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a
toda a coletividade.”[39]
Afirma o professor Flávio
Tartuce:
“A origem da função social
dos contratos está na função social da propriedade.”[40]
E continua:
“Assim, não é mais o Código
Civil que está no centro do Direito Privado, mas a Constituição Federal.”[41]
Continua a professora Dayse:
“Por outro lado, a aludida
‘função social do contrato’, na verdade, na infeliz expressão contida no artigo
421 do Código Civil em que ‘a liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social do contrato’, pode facilmente conduzir a
equívocos.”[42]
A visão da professora Dayse
é eivada de vícios quanto a questão da equidade social que deveria ser regulada
pelo mercado – as relações contratuais. Parece que a professora Dayse crê que
as relações por si só são capazes de trazer este equilíbrio, não precisando de
regulamentação. Seria como dizer o óbvio. Ou seja, não haveria a real
necessidade de fazer menção à função social no artigo 421, pois é natural que
as relações contratuais busquem ou já tenham nascido com base na função social.
Com isto se buscaria um equilíbrio natural e a tão aludida segurança jurídica[43] das relações contratuais.
É opinião da professora
Dayse que através da função social se instaure a insegurança jurídica. Neste
ponto concordamos com o professor Flávio Tartuce de que na modernidade
contratual e principalmente tendo em vista os direitos fundamentais os
contratos devem, em primeira mão, atender às necessidades humanas e não à
segurança jurídica.
Argumenta a professora que
esta insegurança advém do fato de que cada um irá interpretar a função social
de forma subjetiva, de que o que é social para um pode não ser social para o
outro. Mas para nós é justamente neste ponto em que o julgador deve privilegiar
as relações sociais e verificar se há um desequilíbrio nesta relação. Não se
trata mais de termos absolutos e de emprego “seco” da letra da Lei.
Em um sistema social,
patentemente o sistema jurídico está inserido dentro deste, a comunicação é
responsável por estabelecer as bases de equilíbrio deste sistema. Não se pode
mais pautar em um determinismo de moldes laplacianos[44] quando as relações sócias
estão mais voltadas para o princípio da incerteza de Heisenberg[45].
Não existe segurança
jurídica absoluta. Esta percepção é ilusória e serve apenas para as macros
observações social. No entanto, quando adentramos a complexidade das relações
sociais estamos lidando com uma probabilidade jurídica que irá depender
justamente de sua função social.
Conclui a professora Dayse:
“Mas, para que a idealizada
função social possa alcançar os mais fracos e oprimidos, é necessário que toda
a dogmática do direito resida no fenômeno social.”[46]
Conclusão
A função social dos
contratos traz uma nova visão das relações sociais. Uma visão mais pautada numa
justiça social do que numa garantia das relações jurídicas.
Esta nova realidade
contratual vem a expor a total fragilidade da chamada segurança jurídica, que
nas palavras do ministro Eros Grau:
“Mais difícil ainda é
aceitar que o novo e o antigo se mesclam e, no resultado geral, as fronteiras
de um extrato são fluídas, impossibilitando a confortável ilusão da segurança
jurídica.”[47]
Podemos observar neste
ensaio que existem mais argumentos positivos em relação à função social dos
contratos do que comentários negativos. Também podemos observar que cada vez
mais vem sendo uma clara tendência do STJ, nas lides que assim o exigem,
reequilibrar as relações sociais em que os contratos são veículo, através da
função social dos contratos.
Do ponto de vista histórico
nossa sociedade de largos pensamentos patriarcais impede entender a plenitude
da dimensão da função social. Para estes estamentos é simplesmente inadmissível
que um pacto não possa ser cumprido, principalmente levando-se em consideração
a liberdade contratual e a vontade das partes.
Por outro lado depois de nos
termos “livrado” das amarras individualistas das definições formais de
contratos no código francês e no código italiano, é mais que natural que uma
inovação como a função social dos contratos seja recebida com desconfiança,
pois ela quebra antigos paradigmas e tabus que possuem raízes profundas em
nosso modo operandis jurídico.
A pós-modernidade exige do
legislador e também do judiciário que crie novas formas de comunicação com
todos os sistemas sociais, justamente no intuído de promover o maior acesso à
justiça e também a promover efetivamente mais justiça.
Com base em vários dos
doutrinadores que apresentamos é que temos a certeza de que a função social dos
contratos não vai na contramão das relações sociais e nem bate de frente com
valores ilusórios como o da segurança jurídica.
Não podemos mais ser coniventes
com o valor material sobrepujando o valor humano.
Fechamos este ensaio
lembrando das palavras do professor Miguel Reale quando da Mensagem nº 160, de
10 de junho de 1975, por ocasião do projeto de renovação do Código Civil de
1916:
“Superado de vez o
individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do Código vigente,
reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua origem e em seu
destino, impondo a correlação concreta dos valores coletivos com os
individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e
exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada
temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais,
como uma das mais nobre e corajosas metas de governo.”[48]
Este desafio de renovar os códigos
foram feitos justamente através da Constituição de 1988 que prima pelos
direitos fundamentais e logo em seguida pelo Código de Defesa do Consumidor em
1990 alcançando finalmente a redação do Código Civil de 2002. Cabe agora ao
cidadão fazer jus a esta renovação fazer uso correto de seu acesso ao direito e
aos operadores do direito orientar de forma digna e correta para que as relações
sociais sempre possam ser pautadas pelos princípios da ética e da dignidade da
pessoa humana.
Agosto
de 2012.
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Cezar (coordenador). Código Civil Anotado. 6ª Edição. Editora Manole. São
Paulo, 2012.
TARTUCE, Flávio. Função
Social dos Contratos. 2ª Edição. Editora Método. São Paulo, 2007.
TARTUCE, Flávio. Direito
Civil Vol. 3. 6ª Edição. Editora Método. São Paulo, 2011.
TIMM, Luciano Benetti. The social function of contracts in Market ecomic
systems. Disponível em: http://www.panoptica.org/2009juloutpdf/07_2009_jul_out_139_153pp.pdf.
Acessado em 20/08/2012.
TRINDADE, André. Para
Entender Luhmann e o Direito como Sistema Autopoiético. Livraria do Advogado
Editora. Porto Alegra, 2008.
VENOSA, Sílvio de Salvo.
Código Civil Interpretado. 2ª Edição. Editora Atlas. São Paulo, 2011.
WEBER, Max. Economia e
Sociedade. Vol.1. Editora UNB. Brasília, 2009.
[1]
Princípio que determina, no Direito Internacional e nos contratos, que os
pactos devem ser obrigatoriamente cumpridos pelas partes. GUIMARÃES,
Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 13ª Edição. Editora Rideel. São
Paulo, 2010. p.461
[2] Entendemos
aqui que esta regulamentação é uma forte intervenção na forma livre de se
contratar e que fere o princípio da liberdade de contratar e da manifestação de
vontade das partes.
[3] Um
dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a
qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade
que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função social da propriedade
somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão
e exercício não interessam somente às partes contratantes, mas a toda a
coletividade. REALE, Miguel. Função social do contrato. Disponível em:
. Acessado em
20/08/2012.
Ver também, sobre o tema, as obras: Os Direitos
Humanos na Pós-Modernidade de José Augusto Lindgren Alves; Teoria dos Direitos
Fundamentais de Robert Alexy; Teoria Geral dos Direitos Fundamentais de Dimitri
Dimoulis e Leonardo Martins; Contribuição Dialética para o Constitucionalismo
de Sérgio Resende de Barros; A Eficácia dos Direitos Fundamentais de Ingo
Wolfgang Sarlet.
[4] LIMA,
Fernando Ristes de Sousa. Sociologia do Direito: O Direito e o Processo à Luz
da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. 2ª Edição. Editora Juruá.
Curitiba, 2012. p. 75
[5] A
doutrina é unânime em apontar que tão antigo como o próprio ser humano é o
conceito de contrato, que nasceu a partir do momento em que as pessoas passaram
a se relacionar e a viver em sociedade. A própria palavra sociedade traz a
ideia de contrato. TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 3. 6ª
Edição. Editora Método. São Paulo, 2011. p. 33
[6] Na
antiguidade já havia a codificação de Leis. Exemplo disso são as XII Tábuas
Romanas, o Código de Hamurabi e a Torá de Moisés. Sobre uma comparação entre o
código de Hamurabi e a Torá recomendo a leitura dos comentários ao capítulo 21
de Exodo contido no Comentário Bíblico Adventista. Casa Publicadora Brasileira.
Tatuí, 2011. p. 655 – 666. Sobre as obrigações o capítulo 5 do livro de John
Gilissen Introdução Histórica ao Direito. 6ª Edição. Fundação Calouste
Gulbenkian. Lisboa, 2011.
[7]
Livre tradução: Um contrato é uma convenção, entre uma ou mais pessoas, que se
obrigam, entre elas, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Code Civil. 111º
édition. Éditions Dalloz. Paris, 2012.p. 1258.
[8] Ensina
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Faria: Em sua acepção clássica,
edificada no direito francês, o contrato era a exata tradução de um monismo
valorativo. À medida que a autonomia da vontade era absoluta, sem concorrer com
outros princípios, inseria-se o contrato exclusivamente no plano da liberdade
formal, desligada por completo das condições materiais das partes e da
sociedade que os cercava. ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de.
Curso de Direito Civil: Contratos, vol. 4. 2ª Edição. Editora JusPodivm. Salvador,
2012. p. 42.
[9]
Observa-se que na antiguidade o “instituto escravo” já era legitimado, porém,
ele tinha características bem diversas do escravismo colonial praticado no
Brasil. Dois exemplos ajudam. Um deles é o do Código de Hamurabi em seu, assim
classificado, artigo 117:
“Se alguém tem um débito vencido e vende por dinheiro
a mulher, o filho, e a filha, ou lhe concedem descontar com trabalho o débito,
aqueles deverão trabalhar 3 anos na casa do comprador ou do senhor, no quarto
ano este deverá libertá-los.”
Já em Êxodo 21:2 encontramos:
“Quando comprares um escravo hebreu, ele servirá seis
anos, e no sétimo sairá livre, de graça.”
Em ambos podemos observar que há uma preocupação com a
pessoa humana. O escravo é permitido, mas não é uma “coisa”. Inclusive em ambos
os casos há penalidades aos senhores de escravos que os maltrate severamente.
[10]
Outros Códigos que trazem uma definição de contrato são:
Argentino
Art. 1.137 Hay contrato cuando varias personas se
ponen de acuerdo sobre uma declaración de voluntad común, destinada a reglar
sus derechos.
Espanhol
Art. 1.254 El contrato existe desde que uma o varias
personas consienten em obligarse, respecto de outra u otras, a dar alguna cosa
o prestar algún servicio.
Italiano
Art. 1.321 Il contrato è l’accordo di due o più parti
per costituire, regolare o estinguere tra loro um rapporto giuridico patrimoniale.
Observamos que o Código Civil Português também não faz
uma definição de Contrato.
[11]
SANTIAGO, Carlos. Resenha: Princípios Gerais de Direito. Disponível em: http://cosantiago.blogspot.com.br/2012/04/resenha-principios-gerais-de-direito-do.html.
Acessado em 29/08/2012.
[12]
Max Weber entende por “relação” social o
comportamento reciprocamente referido quanto ao seu conteúdo de sentido por uma
pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência. A relação social
consiste, portanto, completa e exclusivamente na probabilidade de que se aja
socialmente numa forma indicável (pelo sentido), não importando, por enquanto,
em que se baseia essa probabilidade. WEBER, Max. Economia e Sociedade. Vol.1.
Editora UNB. Brasília, 2009. p. 16.
André Trindade ensina que na relação entre dois seres humanos, um
reconhece as necessidades do outro, tendo como base as suas próprias
necessidades. TRINDADE, André. Para Entender Luhmann e o Direito como Sistema
Autopoiético. Livraria do Advogado Editora. Porto Alegra, 2008. p. 75. Ou seja,
o reconhecimento da função do outro faz com que o homem seja social.
Luhmann diz que a sociologia não possui um critério de
delimitação com tais características. Um sistema social deve decidir por si
próprio se no curso de sua história suas estruturas mudaram tanto que ele já
não é o mesmo. LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. 3ª
Edição. Editora Vozes. Petrópolis, 2009.p. 38. Com isso verificamos que as
relações sociais não são estáticas e o Direito não pode ser alheio a esta
dinâmica.
[13] GOGLIANO,
Daisy . A função social do contrato (causa ou motivo). Cadernos de Direito
(UNIMEP), v. 4, p. 63
[14] No
campo das ideias é exatamente isso que se passa. Numa visão kantiana as
intenções são puras e não há prejuízo entre as partes. Mas o fato é que estas
relações contratuais já nascem desequilibradas e devem ser equilibradas
novamente por força de Lei. Ou ainda há os que creem que um contrato de
trabalho é equilibrado? Talvez ele até pode ser para um alto executivo, mas
para as pessoas que estão desprovidas de seus meios de subsistência elas se
submetem e desta forma não há do que falar em equilíbrio ou mesmo
“frenesi” social.
[15] Opus
cit. p. 75
[16] Em
razão disso, afirma Fernando Rister de Souza Lima, a complexidade social
instaura-se também no sistema jurídico. Não se iludam os defensores da
segurança jurídica, o Direito não pode garantir certezas. Opus cit. p. 29
[17] Neste
sentido podemos exemplificar com a seguinte alegoria. Um sujeito A decide
vender seu carro ao sujeito B. Ambos entram em acordo e conseguem chegar em um
valor que é vantajoso para ambos. O detalhe deste contrato de compra e venda é
que o carro que A está vendendo polui bastante o ar. Mas B não está preocupado
com isso, pois ele precisa justamente de um veículo barato para viabilizar suas
entregas no bairro onde vende seus produtos. Novamente aqui não há qualquer
impedimento no que diz respeito à liberdade de contratar entre A e B. A não ser
por uma observação. A transação é feita na cidade de São Paulo e por força da
Lei Municipal 11.733/95 e 12.157/96 e pelo decreto Decreto Municipal 50.232, de 17 de novembro
de 2008, que determinam os limites de poluentes que os carros com placas de São
Paulo devem ter. Desta forma, o vendedor A não poderá fazer a tradição do
veículo ao comprador B, pois seu documento estará bloqueado para transferência
enquanto não se constatar, através de inspeção veicular, que o carro está
dentro dos limites descritos na Lei. A liberdade de contratar entre A e B está
garantida, mas desde que ela atenda a sua função social, neste caso não poluir.
O que o contrato de compra e venda entre A e B tem a ver com sua função social?
Afinal não é problema de B que o carro que ele quer adquirir seja poluidor?
Não. Não mais. Isso passa a ser uma questão social, pois outros que estão fora
desta relação social entre A e B – que aliás nem sabem ela existe – serão
afetados direta e/ou indiretamente por ela, a saber, poderão ficar doentes pelas
emissões dos gases do carro que B quer comprar.
[18] No
artigo The social function of contracts in market economic systems, Luciano
Benetti Timm lista cerca de 20 autores nacionais que trataram do tema entre
2003 e 2005.
[19] OLIVEIRA,
James Eduardo. Código Civil Anotado e Comentado. 2ª Edição. Editora Forense. Rio
de Janeiro, 2010. p. 430
[20] NERY,
Nelson Junior e Nery, Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado. 8ª
Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2011. p. 538.
[21] DINIZ,
Maria Helena. Código Civil Anotado. 15ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2010.
p. 365.
[22] Sobre
o tema verificar o capítulo IV da professora Cláudia Lima Marques em: Manual de
Direito do Consumidor. 3ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010.
[23] VENOSA,
Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. 2ª Edição. Editora Atlas. São
Paulo, 2011. p. 504.
[24] ALVES,
Jones Figueirêdo. DA SILVA, Regina Beatriz Tavares (coordenadora). Código Civil
Comentado. 8ª
Edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2012. p. 490.
[25] Art. 1134. Les conventions
légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites.
Elles ne peuvent être révoquées que de leur
consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise.
Elles doivent être exécutées de bonne foi. Code Civil. 111º édition. Éditions Dalloz. Paris, 2012.p. 1324.
[26]
Il contratto ha forza di legge tra le parti. Non può essere sciolto che per
mutuo consenso o per cause ammesse dalla legge.
Il contratto non produce effetto rispetto ai terzi che
nei casi previsti dalla legge. GAROFOLI, Roberto e IANNONE, Maria. Codice
Civile e Leggi Complementari Annotato com la giurisprudenza. Nel Diritto Editore.
Roma, 2011. p. 1688.
[27] O
advento da teoria da relatividade não extinguiu a mecânica newtoniana, apenas
mostrou que existe um outro caminho que descreve melhor a realidade física. A
mecânica newtoniana continua viva e sendo usada, mas em questões mais
profundas, mais abrangentes ela precisa ser abandonada, caso contrário não se
avança. Penso que o mesmo se sucede com o pacta sunt servanda, pois cumprir
rigorosamente um contrato é um preceito inerente às relações contratuais, mas
há momentos em que o desequilíbrio desta relação faz com que o pacta sunt
servanda seja abandonado para que se possa avançar para a própria execução
integral do contrato.
[28] ROSENVALD,
Nelson. PELUSO, Cezar (coordenador). Código Civil Anotado. 6ª
Edição. Editora Manole. São Paulo, 2012. p. 486.
[29] Vide,
por exemplo, art. 460 da CLT.
[30] TIMM, Luciano Benetti. The social
function of contracts in Market ecomic systems. p. 146
[31] A
pesquisa foi feita em 21/08/2008 no site do STJ (http://www.stj.jus.br/SCON/) utilizando
como parâmetro de busca a sentenção “função social do contrato” entre os anos
de 2003 e 2012. O sistema devolveu a informação de neste período 58 acórdãos
foram feitos e que continham menção à sentença “função social do contrato”. Os
acórdãos estão assim distribuídos:
Ano
|
Quantidade
|
2012
|
8
|
2011
|
16
|
2010
|
5
|
2009
|
3
|
2008
|
14
|
2007
|
7
|
2006
|
3
|
2005
|
1
|
2004
|
0
|
2003
|
1
|
TOTAL
|
58
|
[32] GOGLIANO,
Daisy . A função social do contrato (causa ou motivo). Cadernos de Direito
(UNIMEP), v. 4, p. 61-72, 2004.
[33] Professora
Doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Departamento de
Direito Civil.
[34] Opus
cit. p.63
[35] ROSENVALD,
Nelson. PELUSO, Cezar (coordenador). Código Civil Anotado. 6ª
Edição. Editora Manole. São Paulo, 2012. p. 486.
[36] OLIVEIRA,
James Eduardo. Código Civil Anotado e Comentado. 2ª Edição. Editora Forense. Rio
de Janeiro, 2010. p. 430
[37]
Opus cit. p. 63
[38] Foi
uma surpresa verificar que o professor Nelson Nery Jr e sua esposa em sua obra
Constituição Federal Comentada (2ª Edição. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo, 2009) não tece qualquer comentário sobre os incisos XXII
e XXIII do art. 5, deixando para fazerem suas considerações apenas ao inciso
III do art. 170 da Constituição.
[39] REALE,
Miguel. Função social do contrato. Disponível em: .
Acessado em 20/08/2012.
[40] TARTUCE,
Flávio. Função Social dos Contratos. 2ª Edição. Editora Método. São Paulo,
2007. p. 62.
[41] Opus cit. p. 79
[42] Opus cit. p. 65
[43] Na
realidade, à luz da personalização e constitucionalização do Direito Civil,
pode-se afirmar que a real função do contrato não é a segurança jurídica, mas
sim atender os interesses da pessoa humana. TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol.
3. 6ª
Edição. Editora Método. São Paulo, 2011. p. 91
[44] Laplace
é quem formaliza o determinismo quando diz que obtendo o tempo percorrido e a
velocidade de um objeto sempre será possível determinar sua exata posição.
[45] Heisenberg
quebra o paradigma laplaciano quando diz que não é possível determinar a
posição de um elétron mesmo sabendo sua velocidade e tempo. Isso se dá porque o
observador perturba a medição, e com isso o que se tem é apenas uma probabilidade
de o elétron estar em uma determinada posição.
[46] GOGLIANO,
Daisy . A função social do contrato (causa ou motivo). Cadernos de Direito
(UNIMEP), v. 4, p.72.
[47] GRAU,
Eros. Um Novo Paradigma dos Contratos?. Disponível em:
http://academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/images/7/79/Eros.Grau_paradigma.contratos.pdf.
Acessado em 21/08/2012.
[48] REALE,
Miguel. Mensagem n. 160 de 10/06/1975. p. 25-26
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