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RESENHA: Raízes do Brasil


Sempre estamos em busca de informações que possam nos ajudar a entender algumas das problemáticas sociais que enfrentamos atualmente em nosso país.

Várias são as referências que procuram explicar (ou ao menos contar) de forma irreverente ou descompromissada fatos históricos e sociais do passado brasileiro, mas sem ao menos tentar demostrar a cientificidade de suas observações.

Procurando desenvolver um texto sobre a questão do trabalho forçado atual e o no nosso passado escravista colonial, voltei a ler, mais atentamente a obra do professor Sérgio Buarque de Holanda “Raízes do Brasil”.

A obra surpreende pela clareza, pela leveza e sinceridade dos fatos ali apontados, mas não é isso que a torna extremamente importante para a história e a sociologia brasileira. O que a torna especial é justamente a confiabilidade e o rigor com que o autor expõe os fatos e demonstra com clareza e finesa intelectual suas teorias sobre a formação do Brasil.

Escrita em 1936 a obra vinha a fazer um contraponto a então já bem divulgada obra de Gilberto Freire “Casa Grande e Senzala” que fora publicada em 1933. Nas palavras de Antônio Cândido (no prefácio da 26ª edição pela Companhia das Letras) “Casa Grande e Senzala é uma ponte entre o naturalismo dos velhos intérpretes da nossa sociedade, como Sílvio Romero, Euclides da Cunha e mesmo Oliveira Viana, e os pontos de vista mais especificamente sociológicos que se imporiam a partir de 1940.”

Equanto a obra do mestre pernambucano mostrava uma visão mais “amigável” de nossa colonização e os aspectos antropológicos de nossa miscigenação, a obra do professor Sérgio Buarque de Holanda fere mais fundo, expõe com clareza nuances que mostram como problemas sociológicos, como o racismo, por exemplo, se impregnaram entre nós mesmo com a “branda visão” proposta por Gilberto Freire 3 anos antes.

A obra se divide em 7 partes ou capítulos onde o professor Sérgio Buarque de Holanda faz a evolução histórico-social da colonização portuguesa, do Império e da República brasileira.

Em Fronteiras da Europa, o autor procura traçar a forma como inicialmente os europeus ibéricos viam o novo mundo. A sua gênese de uma estratégia de colonização. Colonização esta que não tinha a intenção de fixação, mas meramente de exploração.

No capítulo 2 “Trabalho e Aventura” é explicada e justificada a estratégia de aventura colonial e não de manter uma base de fixação da metrópole portuguesa. Escreve: “O princípio que, desde os tempos mais remotos da colonização, norteara a criação da riqueza no país não cessou de valer um só momento para a produção agrária. Todos queriam extrair do solo excessivos benefícios se grandes sacrifícios.”

Na parte em que o professor Sérgio Buarque de Holanda trata da questão da Herança Rural ele nos demostra as razões e motivos da Abolição da Escravatura e como ela se torna um efetivo marco divisório entre duas eras: a rural patriarcal e a burguesa citadina.

O capítulo O Semeador e o Ladrilhador é para mim um dos mais belos e importantes desta obra genial. Aqui o autor apresenta as questões acerca da urbanização e de como se estabelece as diferenças entre o campo e a cidade. Enquanto a colonização espanhola no mesmo período e no mesmo continente propalava a edificação de cidades e o adentramento ao continente, os portugueses ficaram apenas no litoral e isso trouxe sérias consequências na forma de colonizar. Segundo o professor Sérgio Buarque de Holanda “(...) Comparado aos castelhanos em suas conquistas, o esforço dos portugueses distingue-se principalmente pela predominância de seu caráter de exploração comercial, repetindo assim o exemplo da colonização na Antiguidade, sobretudo da fenícia e da grega; os castelhanos, ao contrário, querem fazer do país ocupado um prolongamento orgânico do seu.”

O capítulo O Homem Cordial vem a quebrar o mito de que o brasileiro é “manso”. Aqui o professor Sérgio explica os porquês desta designação e apresenta os motivos de sua formação.

Em Novos Tempos o autor discorre sobre a teoria positivista e como ela se estabeleceu entre nós, e também sustenta a tese de que a democracia foi uma grande mal-entendido entre nós, mostrando assim, o desencanto da realidade.

Finalmente no capítulo 7 Nossa Revolução o autor traça a passagem entre o senhor de engenho e o fazendeiro. Discorre sobre as oligarquias e a democracia na formação nacional.

Raízes do Brasil é uma obra viva e atual que irá permitir ao leitor inferir sobre nossas formas de pensamento e de comportamento social. Formas estas que ainda estão presentes em nosso meio, apesar de já se tornarem questionadas e debatidas.

É uma obra de rigor científico e não apenas de Histórias pitorescas e/ou de curiosidades. É uma obra que nos ajuda refletir efetivamente sobre a formação do Brasil.

Boa leitura a todos.

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