Pular para o conteúdo principal

RESENHA: A Arte da Prudência


Muitos são os livros que dão conselhos e que procuram nos indicar os melhores caminhos a seguir no que diz respeito a nossa forma de agir e de lidar com as pessoas.

Muita divagação e pouca objetividade é o que mais vemos nas prateleiras das livrarias que possam tratar deste tema: relações interpessoais. É muito “achismo”, muita opinião subjetiva e há ainda aqueles que falam aquilo que acreditamos ser o óbvio.

Fico impressionado de observar a grande quantidade de títulos que procuram associar a figura de um grande personagem histórico ou então de um livro às questões de ordem empresarial, porém de forma pouco lapidada, apenas chamativa. Exemplos do que estou querendo ilustrar são: Napoleão CEO, Madre Teresa CEO, A Arte da Guerra nos Negócios etc.

Tudo no sentido de ilustrar novas estratégias ou então receitas rápidas de como ganhar dinheiro etc. Eu penso que o sucesso destas obras está ligado diretamente à bruma de mistério e ignorância que estas personagens e suas obras causam nas pessoas. Ai invés de incentivar a leitura de seus originais, somos impelidos a consumir somente os “resumos” ou então somente nos atermos às interpretações pouco científicas de autores que captam a oportunidade do momento para escrever sobre um tema complexo, mas com pouca ou nenhuma solidez.

Dita minha opinião, sou daqueles que prefere os mestres aos discípulos e gostaria de encorajar o atento leitor para um livreto extremamente importante para se balizar as premissas das relações interpessoais. Trata-se da obra do jesuíta espanhol Baltasar Gracián intitulada A Arte da Prudência, editada pela Martin Claret, São Paulo em 2006.

Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1647 e traz 300 aforismos no que o autor entende como oráculos para o relacionamento interpessoal.

Pouco ou quase nada se sabe acerca da vida de Baltasar Gracián, mas certamente ele deixou sua marca na literatura espanhola – o volume de suas obras completas editado na Espanha tem mais de 1600 páginas.

Nesta rápida obra o autor procurar dar conselhos diretos e claros acerca de vários aspectos comportamentais seja no meio profissional, seja no meio acadêmico, seja diplomático etc – lembrando sempre que é uma obra datada historicamente (1647) dentro do contexto da corte espanhola, mas nem por isso ele deixa de ter sua atualidade se lido e absorvido com a devida atenção.

Para termos uma ideia do que exponho um dos aforismos que mais possuem significado para mim é o de número 18 intitulado “Esforço e talento”. Diz ele assim:

“(...) É aceitável ser medíocre num trabalho sem importância: há a desculpa de que fomos talhados para coisas mais nobres. Porém contentar-se em ser medíocre numa tarefa inferior, podendo ser excelente na mais elevada, não tem desculpa.” p. 31

Vejo neste aforismo a forma que move os profissionais a sempre estarem se superando, nunca se contentando apenas com as tarefas que lhe são imputadas. Mas aqui também há uma armadilha, que Gracián expõe bem, a de que é a pessoa que primeiramente tem que ter o desejo de crescer em sua atividade. Ninguém pode pura e simplesmente atribuir tarefas e características a outrem se este não estiver disposto a realiza-las e mais do que tiver o talento para tal. É o movimento perpétuo do crescimento profissional. Aqui, na minha visão, é uma dura crítica ao comodismo, às pessoas que simplesmente estão tanto tempo naquela atividade que não veem (ou não querem) ter outra perspectiva. O não contentamento é o que nos move.[1]

Outra máxima maravilhosa de Gracián é a de número 25: “(...) Não pode ser entendido aquele que não é bom entendedor.” Pois bem, temos aqui a premissa daqueles “líderes” que não fazem a menor ideia do que seja um consenso, um entendimento. Creem piamente de que somente pelo fato de serem chefes, de estarem em um nível hierárquico acima (a hierarquia é importante no meio empresarial, ela apenas não precisa ser tão burocratizada) todos tem a obrigação de adivinhar o que eles querem. Que seus subordinados devem entender o que eles dizem, sempre. O problema de comunicação, problema tão moderno no meio empresarial (somente o empresarial?) nos dias de hoje está claramente exposto neste pensamento de Gracián, ou seja, o entendimento é uma via de mão dupla.

Poderíamos aqui fazer uma análise e tirar lições preciosas de cada um dos aforismos de Gracián (aliás, seria uma ótima ideia, pois não se tem esta análise em nosso meio) para todos os tipos de aplicação das relações sociais.

Em minha opinião a obra de Gracián está em pé de igualdade com a obra de Maquiavel “O Príncipe”. 

Ambas são obras que possuem um cunho social, filosófico, moral e políticos extremamente fortes e todos aqueles que se pretendem sempre estar se desenvolvendo no caminho da liderança (seja ela qual for) deveriam ter estas duas obras em mente, seja para contestá-las seja para utilizá-las de forma conveniente, pois como já aludi, são obras que estão marcadas pelo tempo e pelo contexto em que foram escritas, mas certamente podem lançar luz sobre uma série de aspectos que precisem de nossa decisão, que precisem de nossa avaliação no que diz respeito às relações interpessoais.

Vale muito a pena a leitura de Gracián.


[1] Aqui poderíamos, por exemplo, discorrer sobre a pirâmide de Maslow e a sua teoria das necessidades, que para mim se mantém atual até hoje.

Comentários

Acredito que muitos líderes acham legal as teorias sobre líder servidor, por que o discurso é bonito e está na moda, porém a pratica mostra que ser ditatorial é o que vale.
Precisa haver um concenso entre o que se diz e o que se faz.
Ruslan Queiroz disse…
Olá, estou lendo em 19/12/2019!


Gracian mudou a forma de olhar a vida a minha volta, é meu livro de cabeceira e estar numa versão em APP no celular.

Postagens mais visitadas deste blog

RESENHA: Culpa in Contrahendo ou Indenização em Contratos Nulos ou não chegados à Perfeição – Rudolf von Jhering

No universo da responsabilidade civil me parece que ainda existem alguns casos “mal resolvidos”, dentre eles o de saber se há responsabilidade contratual numa pré-negociação ou numa negociação entre entes privados. Muitas são as opiniões acerca deste tema, mas a maior parte delas caminha para duas alternativas: existe a culpa e ela é contratual ou existe culpa, mas ela não é contratual. Pesquisando em alguns manuais de Direito Civil que tratam da questão dos contratos pude observar que várias são as justificativas para se seguir um ou outro caminho, mas no que tange a jurisprudência, assim me parece, a maioria aplica a responsabilidade contratual aos negócios jurídicos, mesmo que eles não tenham chego à perfeição. Mas nenhum deles, apesar das justificativas, se refere às fontes para justificar tal ou qual caminho para a responsabilidade civil no caso de culpa numa relação privada que não culminou efetivamente num contrato. A uma responsabilidade civil com culpa numa relaç...

Resenha: Estética, literatura e formação humana: um diálogo entre Honoré de Balzac e György Lukács

  Resenha Livro: Estética, literatura e formação humana:  um diálogo entre Honoré de Balzac e György Lukács Autora: Lenha Aparecida Silva Diógenes Editora: Caipora, Marília - SP Ano de publicação: 2020   A literatura, geralmente, é fonte de pesquisa e análises que possibilitem identificar  possíveis conexões entre o autor sua obra e a realidade. Qual realidade? A autora aborda os problemas envolvendo o debate aceda do realismo versus expressionismo cada um descrevendo a realidade social a sua maneira fazendo a crítica da falseabilidade do cotidiano pelo capitalismo. A autora também apresenta o  realismo socialista que por fim não se concretizou, ou então foi deturpado como forma de propaganda do regime de Stálin. Neste cenário de realismo literário surgem dois gigantes da genialidade humana: Balzac [1] e Lu...