Movido pela empolgação da minha primeira leitura da Antígonade Sófocles , fui buscar algumas referências que pudessem corroborar com as minhas impressões acerca da questão do Direito e da Justiça. Foi então que encontrei a obra do prof. Marcelo Alves, Antígona e o Direito, Editora Juruá, 2008.
Estou na minha infância, no que tange aos estudos de Direito, mas tenho observado, de colegas que já são operadores de direito, várias lacunas em sua formação acerca de questões principiológicas e filosóficas que envolvem o Direito. Não são poucos os que simplesmente se tornam meros operadores de direito, perdendo-se em inúmeras técnicas processuais e perdem o foco do sentido de se fazer Justiça.
Duas obras, na minha opinião, deveriam ser estudas pelos aspirantes a advogados logo em seu primeiro ano de ingresso na faculdade de Direito. A Antígone de Sófocles e a Cartas aos Romanos do apóstolo Paulo. São obras bem distintas, mas que tratam essencialmente do mesmo tema: a obediência (ou não) às Leis. Sobre a minha interpretação e leitura que Paulo faz acerca da Lei (e não se entenda aqui somente a Lei Divina) deixarei para discutir em outra oportunidade.
Para a Antígona, eu refleti recentemente aqui no blog sobre as impressões que me causaram a leitura de tal texto. Foi nesta busca de mais informações sobre as minhas conclusões estarem ou não alinhadas com alguma corrente, que topei com a obra do prof. Marcelo Alves.
O autor coloca em excelentes termos toda a questão que envolve a disputa entre Creonte e Antígona, fazendo análise de termos e de situações que remetem ao contexto da democracia grega no século V a.c.
Segundo o prefaciador do livro, prof. Delamar Dutra da UFSC (departamento de Filosofia):
“Ele ressalta a contradição entre a lei comum de caráter até religioso e a decisão politicamente determinada.” (p. 17)
No desenrolar da leitura do livro do prof. Marcelo Alves é exatamente isso que observamos; uma análise clara das tensões entre as Leis formais e os costumes (tradições).
Qual o seu peso na sociedade? O que elas representam? Qual a sua legitimidade?
São estas as questões que Sófocles nos faz pensar, que nos permite visualizar através da sua obra, e é justamente sob esta égide que o prof. Marcelo Alves tão bem trabalha.
Na obra o prof. Marcelo Alves, identifica vários elementos que vão diretamente de encontro com a minha visão da obra de Sófocles e outros que eu nem havia aventado, mas principalmente pude encontrar elementos que, na minha visão, faltam em sua composição (para não usar o termo transliteração) da Antígone de Sófocles. São nestes elementos que eu gostaria de fazer algumas provocações.
A obra é perfeita no que diz respeito à análise e comparações do cenário da Pólis grega do século V a.c, mas não nos apontada nada para a importância de trazer este debate para o âmbito moderno.
Por exemplo, quem são, hodiernamente, os nossos Creontes e nossas Antígonas? Há em nossos tribunais Creontes e Antígonas fazendo justiça de forma trágica?
Identificar estas figuras (talvez Instituições?) é o que carece a obra do prof. Marcelo Alves. Mas, justiça seja feita, não foi esta a intenção do seu texto desde o início. Ele mesmo opina sobre a Antígona, muito lucidamente, nestes termos:
“(...) a obra, ela própria, quase não é lida, muito menos estudada. Via de regra, ela é citada nos cursos de Direito meramente para ilustrar o conflito entre Direito Natural e Direito Positivo, e quase sempre para destacar uma suposta vitória incontestável do Direito Natural. Dito de outro modo, Antígona, e não apenas ela, acaba muitas vezes, sendo citada a título de curiosidade, para testemunhar a suposta cultura daquele que a cita e conferir certo ‘verniz’ ou ‘perfume’ à formação técnica dos acadêmicos – postura esta que, por certo, em nada favorece a compreensão crítica da obra.” (p. 25-26)
Faltou o elemento que irá permitir justamente transpor o obstáculo da simples citação erudita para uma crítica moderna das práticas do Direito.
Outro exemplo que tenho em mente é a questão dos Princípios Gerais de Direito (na visão do prof. Rubens Limongi) da teoria do Diálogo das Fontes apresentada a nós, brasileiros, através do pensamento da profa. Cláudia Lima Marques. Muitos já são, apesar de ainda insuficiente, os que fazem uso destes conceitos/técnicas para poderem chegar ao ideal de Justiça.
Então, o que Antígona de Sófocles tem a ver com tudo isso?
Como esta ilustração entre a tensão de um direito nato x um direito normativo tem a ver com as decisões que são tomadas hoje em nossos tribunais?
Tudo, a meu ver. Pois é justamente desta tensão que nasce a reflexão do que é justo e de como fazer para se alcançar esta Justiça. Não apenas aplicar mecanicamente as Leis e também não tão pura e simplesmente ceder a “achismos” de Direito. Esta tensão nos faz refletir sobre a essência do Direito, daí a sua importância para os estudantes, para que desde logo não cultuem uma Justiça paternalista, mas também não sejam adoradores do mais positivado direito eivado de preconceitos.
Nestes termos, a obra do prof. Marcelo Alves lança luz sobre o entendimento da obra de Sófocles, mas carece de uma visão moderna, de uma leitura moderna da mesma obra.
Esta é uma tarefa que ainda precisa ser realizada em nosso meio.
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