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RESENHA: Princípios Gerais de Direito

Vivemos em uma sociedade em que as transformações das relações sociais são extremamente rápidas e, muitas vezes, pouco duradoras.

Com base nesta constatação, acreditamos que o Direito deva acompanhar estas transformações e não se prender a dogmas e preconceitos. Para que isso possa acontecer o jurista deve estar sempre aberto às novas perspectivas que cada caso gera e sempre que a Lei silenciar e/ou não apresentar caminhos que possam resolver a questão, deve o julgador buscar em diversas fontes externas a Lei algo que possa servir de baliza para a solução do contencioso.

Movido pelos meus estudos acerca da "Função Social dos Contratos e a Livre Iniciativa", acabei lendo o excelente livro do prof. Rubens Limongi França.

Não foi por acaso que me deparei com esta obra científica do prof. Rubens Limongi, Princípios Gerais de Direito, 3ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, 2010. Estudando na obra do prof. Flávio Tartuce (falarei da obra em outra ocasião) Função Social dos Contratos, na parte que em que ensina sobre a delimitação conceitual e natureza jurídica dos princípios contratuais, que interrompi a leitura e passei a buscar a tão citada obra do prof. Rubens Limongi.

Se for verdade que a sociedade se transforma, geográfica e temporalmente, deve o Direito acompanhar estas transformações. Mas algo, nos parece, permanece estático, meio que imune aos novos valores que a sociedade pode criar ou recriar. Em nosso entendimento este algo são os Princípios Gerais de Direito.

“Mas quais são esses princípios? Onde se encontram? Como se formulam? Como se classificam? Como se aplicam?” (p. 169)

São exatamente estas as perguntas que o prof. Rubens Limonge faz  e nos esclarece acerca da importância desses Princípios no decorrer do trabalho.

A minha primeira grande impressão (e aprendizado) na leitura do livro do prof. Rubens Limongi foi quanto ao seu aspecto científico. Não é uma obra simples, não é uma obra vulgar, não é a pura e simples expressão de uma visão, de uma opinião (como fazemos aqui no Blog). Não.  Trata-se de uma obra com rigor científico e formal. E justamente isso que impressiona.

O prof. Rubens Limongi faz uma excelente descrição das diversas correntes da França, Espanha, Alemanha, Itália e Brasil, e de como cada um dos mestres, em cada época, trata a questão dos Princípios Gerais de Direito. Com base em suas pesquisas o prof. Rubens Limongi consegue destacar quatro orientações acerca dos Princípios Gerais de Direito:

“Em meio aos outros distinguimos quatro orientações: 1. a dos que se referem à equidade natural, como o Suíço e o Chileno; 2. a dos que aludem aos princípios do Direito Natural, como o Austríaco e o Português; 3. a do Código Italiano de 1942, que fala em princípios do ordenamento jurídico do Estado; e 4. a dos que mencionam, pura e simplesmente, os Princípios Gerais de Direito, como o Código Brasileiro.”(p.192)

Já se pode notar que o tema não é pacífico, nem entre os mestres e nem quanto ao que cada legislador atribuiu aos seus códigos. Daí justamente sua importância para que se possa, por exemplo, delinear (como faz o prof. Tartuce em sua obra Função Social dos Contratos) os princípios que podem fazer parte de um determinado estamento. Ou ainda delinear quais são os princípios que podem esclarecer ou salvaguardar a Função Social.

Nas palavras do prof. Flávio Taturce com relação ao tema, diz o professor:

“Do ponto de vista dos seus efeitos, os princípios são regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto ou ramo jurídico, visando a auxiliar o operador do direito na busca da justiça e da pacificação social.” (p. 100)

Ainda sobre a obra do prof. Rubens Limongi, ele traça um perfil exato de cada uma das correntes que tratam (e as que se recusam a tratar) da importância e relevância que tem os Princípios Gerais de Direito.

São de digna menção as críticas que, muito sobriamente, faz o prof. Rubens Limongi a uma gama de mestres civilistas brasileiros sobre o tema. Dentre eles, a crítica que mais me impressionou foi a que tece sobre a opinião do mestre Orlando Gomes acerca dos Princípios Gerais de Direito:

“Na verdade, data vênia, o ilustrado professor da Universidade da Bahia carece de melhores alicerces neste assunto, pois, ao concluir a respectiva exposição, serve-se, sem as devidas distinções, da lição de BRETHE DE LA GRESSAYE e LABORDE-LACOSTE e, na especificação que destes transcreve, refere princípios ‘que decorrem da natureza mesma das instituições sociais’. A contradição é flagrante!” (p. 152)

Nesta obra, além de nos mostrar como se faz um verdadeiro levantamento científico de um tema, o prof. Rubens Limongi também demonstra como a opinião de grandes figuras jurídicas, podem estar em não conformidade com algumas evidências científico-sociais.

Depois de fazer a apresentação de todo um rol de correntes, tanto dentro como fora dão Brasil, sobre o tema - e até este momento o prof. Rubens Limongi não se manifesta quanto ao seu real pensamento, pois cabe a ele apresentar as correntes e suas hipóteses antes de apresentar, ele mesmo, a sua posição sobre o tema – ele monta toda uma estratégia para apresentar a sua solução para o uso dos Princípios Gerais de Direito.

Até boa parte da obra ficamos sem saber efetivamente, o que vem a ser um Princípio Geral, e de como usá-lo. Mas à medida que partimos que o capítulo final, tudo começa a fazer sentido. É quando o prof. Rubens Limongi assim define os Princípios Gerais de Direito:

“Sua orientação consiste em considerar os Princípios Gerais de Direto como não apenas aqueles que decorrem das regras particulares pelo Ordenamento adotadas, senão também aqueles que, embora não consagrados pelo Direito Positivo, são deduzidos pela Ciência Jurídica. Por outro lado, entre estes últimos, tanto reconhece como tais os princípios da Doutrina e da Legislação Comparada como ainda as Regras de Direito, cujo valor é intrínseco, por se tratar de princípios do Direito Natural. ”(p. 154)

Desta forma, qual a essência fundamental do Direito?

O próprio prof. Rubens Limongi responde:

“O que existe – isto sim, e os mestres apenas a definem – é a evidência deste princípio fundamental do Direito, que é a necessidade de fazer justiça, ou noutras palavras, de não lesar o outrem e dar a cada um o que é seu. Seria esta uma ‘pura criação da razão’? Ou, ao contrário, temos que admitir que, sem este fundamento, cairíamos na falência de todo e qualquer sistema?” (p.144)

Com isso verificamos que os Princípios Gerais de Direito são extremamente importantes para que se possa garantir uma equidade e uma justiça na aplicação das Leis pelo operador de Direito. Ou seja, as normas são marcos dos comportamentos sociais, mas estes marcos estão (precisam estar) alicerçados por princípios fundamentais. Sem estes princípios é fácil observar que o sistema se desfaz, mais ainda, não tem condições de servir de baliza aos complexos relacionamentos da sociedade.

Justamente por conta desta importância que a obra do prof. Rubens Limongi continua atual e é um grande referencial para estudo do tema.

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