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Ética e integridade pessoal

tunc intelleges iustitiam et iudicium
et aequitatem et omnem semitam bonam[1]
Provérbios 2:9


Segundo a tradução da Bíblia Hebraica para o verso 9 de Provérbios capítulo 2: “Compreenderás que integridade, justiça e equidade é que conduzem a todos os bons caminhos.”[2]

Integridade, justiça e equidade. Três termos muito caros a todo e qualquer ser humano moderno. Uma tríade de pensamento e discussões que permeiam todo e qualquer âmbito social em nossa frágil organização enquanto sujeitos de um processo histórico.

No entanto, hoje, me deterei apenas na questão da integridade e de como a ética pode (e deve) intervir neste processo de se atingir a integridade pessoal.

Não é à toa que resolvi refletir e compartir com vocês este tema. Nesta última sexta-feira a noite tive a oportunidade de assistir a mais uma palestra do professor e pastor Antonio Braga.[3] Naquela noite ele proferiu palestra com o tema “Santos de Pau Oco” onde desenvolveu a questão falando sobre a integridade e sobre a ética.

Integridade é algo que todos nós buscamos mesmo sem saber, ao certo, do que se trata efetivamente e de qual tipo de integridade estamos falando. Por exemplo, integridade moral? Integridade intelectual? Integridade profissional? Integridade física? Integridade religiosa? Tantos são os rols de integridade que no fundo procuramos uma que seja geral que seja na verdade um princípio. Algo que possa ser universalizado. Enfim uma integridade que seja atemporal e que não dependa de uma geografia, ou melhor, dizendo um lugar específico para ter validade.

O professor Braga fez esta citação de Provérbios 2:9 que muito chamou a minha atenção e que decidi reproduzir neste texto na versão latina da Vulgata católica e na versão da tradução da Blíbia hebraica, por entender que elas são as que melhor expressão o meu entendimento (interpretação) dos versos de Salomão. Nestes versos podemos observar que o sábio judeu elenca três aspectos que levam aos bons caminhos: a integridade, a justiça e a equidade.[4]

Já dissemos que a integridade é algo que precisa ser mais generalizado afim de se tornar um princípio mais geral. Em sua palestra o professor Braga se utilizou dos conceitos de ética para balizar a questão da integridade pessoal.

Em nossa opinião, apesar de ter sido colocado corretamente, a questão da ética não pode simplesmente ser teorizada. Uma teorização da ética frequentemente traz forte decepção, pois como um “rotulo” costuma-se atribuir às pessoas o adjetivo ética para logo em seguida se verificar que tal ou tal pessoa não correspondia a uma dada definição de ética. Neste sentido, para nós, a questão da ética esta mais voltada para uma práxis do que para uma teoria.

A ética é basicamente a mesma forma de práxis que o apóstolo Paulo aventa em várias de suas cartas quanto ao cumprimento da Lei. O cumprimento da Lei não é apenas as formalidades dos ritos, mas também uma prática contínua para com os outros destas mesmas Leis.

Ética é uma coisa boa, mas não pode ser um princípio. O que? Quer dizer que não se pode ter um princípio ético? Explico. Justamente é este o ponto existe sim PRINCÍCPIOS ÉTICOS, por exemplo, não roubarás! Mas a ética por si só não é um princípio, pois a ética é balizada por valores e os valores na sociedade humana não são atemporais (pelo menos em sua maioria) e ageográficos.

Voltemos ao princípio ético do não roubarás. Não há quem discorde de que isso não é ético, que roubar alguém não é uma coisa boa. Nunca foi e provavelmente nunca o será. E isso independe da época estejamos e de que lugar do planeta esteja falando.

Agora se roubar é um princípio ético e é uma condição para o convício em sociedade (pois não faz sentido roubar de si mesmo, pelo menos não em termos materiais) quem se desviar deste princípio precisa ser punido. A questão da punição é a Lei – e podem entender aqui tanto a Lei divina quanto a Lei dos homens. Qual a punição para um roubo? Aqui temos uma questão ética (de valor moral) que diz respeito à punição em si. Talvez alguns, dado o caráter do roubo, digam que deve ser a morte a pena, outros que deve ser a reclusão por alguns anos e assim por diante. Agora, a punição de quem rouba porque está com fome (e vamos simplificar as coisas dizendo que o roubo foi de comida e para o próprio consumo[5]) este ato antiético ainda assim é passível de punição? Se sim, qual? Se não, por quê?

Feitas estas provocações, como mantermos a integridade pessoal frente a tantas dúvidas acerca das concepções de valores e éticas?

Em nossa opinião, com base no exposto pelo professor Braga, o verso de Provérbios 2:9 é a indicação para esta questão.

Ser integro, neste caso, é conseguir manter-se firme a princípios universais e não apenas aspectos subjetivos da vida. Ser íntegro é estar disposto a não recuar frente a injustiças e as desigualdades, pois como expõe Salomão no verso citado, são três as características para se trilhar os bons caminhos: integridade, justiça e equidade. O que nos leva a concluir que não se pode falar de integridade sem levar em conta a justiça praticada e a igualdade entre os homens.

Qualquer coisa fora destes três eixos pode fazer com que o Homem perca o caminho reto, o caminho bom. O caminho de uma sociedade mais justa, mais equitativa e consequentemente mais íntegra. Se estes três elementos se mantiverem, a ética (como valor moral) não deixará de espelhar os bons desígnios da humanidade.


[1] Biblia Sacra Vulgata. Edição de Roger Gryson de 2007 e editada no Brasil pela Sociedade Bíblica Brasileira em 2011.
[2] Bíblia Hebraica. Edição de David Gorodovits e Jairo Fridlin. Editora Sêfer. 1ª reimpressão em 2007.
[3] O pastor Braguinha como é bem conhecido da comunidade adventista além de ser um excelente orador, daqueles que sabe prender a atenção e que desenvolve conteúdo em suas pregações, também é autor de livros como “Sapos Fervidos ou Ossos Dançantes”, “Uma Cana Rachada” e “A Parábola dos Caranguejos”.
[4] Acerca da justice e da equidade eu prefiro discorrer em outro texto, pois gostaria de tratar mais especificamente da questão dos Princípios Gerais de Direito.
[5] Se o leitor for pesquisar algumas apelações no site do Tribunal de Justiça de São Paulo (http://esaj.tjsp.jus.br), por exemplo, encontrará uma série de apelações em que o condenado pede a revisão do caso e da condenação porque o ato (no caso o roubo qualificado) foi praticado porque ele estava com fome. Lendo alguns destes julgados não demora a percebermos que não se trata de embuste para que a pena seja reduzida. Há julgados que inclusive faz a menção de que o condenado faz jus ao princípio da insignificância. Segundo o site do STF (Supremo Tribunal Federal) o princípio da insignificância é um preceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=173584)

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