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RESENHA: Contribuição Dialética para o Constitucionalismo


Entender os movimentos sociais sob uma óptica histórica e ainda demostrar os significados destes movimentos sociais não é tarefa das mais simples.

Atualmente nos parece que as relações sociais são pautadas simplesmente por questões políticas e nada mais. A ideologia que perfaz as relações de consumo mascaram os reais motivos que faz com que determinada hegemonia civil possa atuar tranquilamente sem grandes entraves.

O livro do professor Sérgio Resende de Barros “Contribuição Dialética para o Constitucionalismo” (Editora Millennium – 2008) desnuda a formação de um pensamento social que por sua vez irá culminar na justificativa social com base na constitucionalização do Estado.

Por falar com constitucionalização o professor Sérgio Resende ilustra em sua obra com um rigor acadêmico esplendido como se deu a formação do moderno Estado Constitucional de Direito. Mas ele não para por ai. Sua análise crítica da sociedade civil e o papel da ideologia na constitucionalização faz um resgate magnífico da idéia de Gramsci sobre o bloco histórico.

Sua exposição é rica em detalhes e referências e, pasmem os operadores de direito, sem estar eivada de vícios dogmáticos, nem à esquerda nem à direita.

A obra de 279 páginas está dividida em 3 grandes seções. 

A primeira versa sobre o Estado e a Sociedade Civil. Aqui o professor Sérgio Resende expõe as linhas mestras da formação do Estado, mas se diferenciando de outros autores, traça firme a formação da sociedade civil dentro do Estado dito constitucional. Ainda nesta parte da obra ele procura demostrar que as relações sociais são essencialmente pautadas pelo modo de produção. É o modo de produção que irá ditar as “regras” da formação do Estado Constitucional de Direito.  “A Constituição escrita, na sua raiz histórica mais profunda, é fruto da racionalização do capitalismo. “ (p.45)

Na segunda parte o professor Sérgio Resende irá abordar a questão da Sociedade Civil e Ideologia. Aqui, em nosso ponto de vista, está o cerne da obra do professor, e que o afasta da tradicional abordagem escolástica sobre sociedade e ideologia, principalmente no orbe do Direito.  Logo de início adverte: “A história não se faz pela moralidade. Ela faz a moralidade.”(p.85)

É nesta parte que o professor Resende resgata o pensamento de Gramsci para o entendimento da formação da sociedade civil, suas características, e quem a compõe para finalmente apresentar a noção de bloco histórico. “É pela hegemonia apoiada na ideologia que uma classe vem a ser dirigente, a partir da sociedade civil.”(p. 107)

Por fim, para ilustrar a exposição do professor Sérgio Resende com relação à sociedade civil ele tece o conceito gramscista: “O conceito gramscista de sociedade civil é original ao localizá-la na superestrutura como uma instância de ligação desta com a estrutura.”(p.112)

A terceira parte da obra trata da questão da Ideologia e Constitucionalismo. Depois de apresentar as razões históricas da Constituição do Estado e de como esta constituição representa o modo de produção capitalista, o professor Sérgio Resende passa a discorrer sobre a ideologia que irá justificar esta constituição. Trata das liberdades sociais e de como a sociedade civil exerce a sua hegemonia dentro deste contexto, dentro de um bloco histórico. “Por isso, a ideologia só desaparece como aparece: na prática histórico-social.”(p.167)

Ainda tratando de ideologia o professor Resende resgata as idéias e a importância do abade Sieyès na consolidação da ideologia que deixa de ser representante do povo para passar a representar o Estado. O povo é afastado da camada de decisões em detrimento de uma ideologia do Estado que se diz mais representativa de toda a nação e não apenas de sua maioria plena. O que esta ideologia vai conseguir mascarar com o tempo é que esta representação é efetivamente a representação daqueles que detém os modos de produção.

Por fim, uma obra muito instigante e que abre uma série de horizontes a todos os operadores de direito (ou não) para outra perspectiva que não a puramente legalista dos tradicionais manuais de direito constitucional, para uma perspectiva histórica sem ranços dogmáticos e expondo às claras as razões das dominações sociais e de como elas se moldam nas relações sociais e na constitucionalização de um Estado Democrático de Direito.

Obra de leitura obrigatória para todos que se preocupam e precisam de uma baliza para explicar os movimentos sociais e sua relação com o Direito. 

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