Entender os mecanismos básicos de funcionamento das leis, sempre fora um turvo mistério. Imaginar a interdependência dos sistemas normativos sempre foi um desafio, pois, na minha visão, os sistemas deveriam – seguindo as lições de Niklas Luhmann[1] – interagir entre si para que efetivamente pudessem evoluir e atender de forma mais eficaz as evoluções sociais que pautam estes sistemas.
Mas a impressão que tive, nestes dois últimos anos em
contado direto com o Direito, é que ainda prevalece uma mentalidade legalista[2]
que insiste em querer ser autossuficiente e na busca desta autossuficiência deixa
de cumprir boa parte de sua função, a saber, a justiça e a manutenção da
equidade[3].
O Diálogo das Fontes vem a se mostrar um poderoso método que
pode permitir a todos os operadores de Direito superarem barreiras
institucionalizadas (e desta forma conformadas) na busca da realização dos
Direitos.
O professor Bruno Miragem descreveu que hoje o Novo Direito
Privado Internacional[4]
possui 4 características básicas e que estas características são a base de uma
nova concepção de visão do Direito.
Estas características são:
- plurarismo
- comunicação
- narração
- “retorno dos sentimentos”
No pluralismo há uma descrença do Direito. O Direito não tem
sido mais uma instituição em que se possa ver realizado os plenos direitos da
sociedade, principalmente a dos menos favorecidos economicamente e que
geralmente não tem acesso aos “cânones misteriosos” do Direito. Daí não verem
no Direito a forma de realizar suas expectativas.
Outro ponto chave do pluralismo é a pletora de informações
que temos hoje. Basta pensarmos na quantidade de doutrinas que temos na
quantidade de jurisprudências que julgam de forma diferenciada casos
extremamente semelhantes. O que leva necessariamente a questionamentos e
dúvidas.
No pluralismo não há uma visão unilateral e nem bilateral,
existe uma gama enorme de interpretações e de sugestões sobre um mesmo fato
jurídico.
Esta quantidade de informação e de opiniões leva a uma
comunicação. Sem comunicação não há como fazer com que o Direito possa exercer
sua função de justiça. Não se pode mais aplicar a letra morta da Lei.
Deve
haver uma clara comunicação entre os sistemas jurídicos e mais do que isso,
estes sistemas precisam se comunicar com sistemas alienígenas a eles. Isso não
significa uma influência de outras áreas, pois o Direito é ciência o suficiente
para poder expurgar a si mesmo sempre que necessário, mas no sentido de poder
conhecer as experiências sociais em que as normas são aplicadas.
As normas são narrativas.[5]
As normas estão sendo mais gerais e menos específicas. Fica a cargo do
aplicador da Lei poder entender o que o Legislador quis dizer em cada caso
concreto. A realidade social de cada um agora deve ser tomada em sua plenitude.
O “homem médio” deve ceder lugar ao indivíduo concreto, real.
A narrativa deve fazer com que o Direito abra as suas
janelas para a ética. A narrativa tem feito grandes avanços no campo dos
Direitos Fundamentais e dos Direitos Humanos, pois apesar das várias
divergências que possam sempre vir a existir (graças ao pluralismo e a
comunicação), todos concordam que o Direito deve convergir para a proteção dos
Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais.
As narrativas são uma tentativa de fazer com que as normas
possam atender a uma situação concreta
de uma pessoa real e não mais uma abstração, uma projeção do que deveria ser,
mas que nunca se concretiza.
Uma volta dos “sentimentos”[6]
faz com que os juízes tenham que recorrer cada vez mais a argumentos não
jurídicos para justificar suas decisões. O Direito sozinho não explica mais a
racionalidade de suas decisões, precisa do apoio de outros campos. Por exemplo,
temos o Direito Econômico que surge com grande força entre nós na tentativa de
explicar decisões do ponto de vista puramente econômico, de mostrar a vantagem
de tal ou tal decisão sob o ponto de vista econômico.[7]
Todo este conjunto de características faz com que pensemos
em como operacionalizar o Direito a fim de obtermos uma equidade. O problema é
que com a hiperespecialização e a alta velocidade com que as informações são
criadas, fica extremamente difícil aplicar ou interpretar qual a melhor norma a
ser aplicada ao caso concreto, isto quando não se percebe que mais de uma norma
poderia efetivamente ser aplicada. Sem falar na angustia de reconhecer na norma
consumerista uma vantagem para o caso, mas estar ainda preso ao pensamento
legalista que não o deixa fazer uso do recurso, por se tratar, por exemplo, de um
litígio civil.[8]
É quando o operador do direito se vale da clássica tríade de
decisão:
- lei posterior revoga a anterior
- especificidade
- hierarquia
Neste ponto o professor Bruno Miragem colocou uma questão
singular: Quantas leis vigoram no Brasil hoje?
Não sabemos! Existe um projeto do Governo Federal no sentido
de poder catalogar todas as normas vigentes no país hoje, mas este trabalho
ainda não está findo.[9]
Se não temos idéia da quantidade de Leis, como fazer um uso
racional dos 3 critérios citados acima para a solução de antinomias?
Ai é que vem o Diálogo das Fontes. A técnica não vem para
substituir a interpretação sistemática, ela é, na minha visão, uma evolução
daquela com base justamente na pluralidade, na comunicação, na narrativa, e no
sentido que a Lei deve fazer àquele caso concreto de um sujeito de direito
real, e não mais em abstrações.
A complexidade da sociedade moderna exige isso.
O Diálogo das Fontes tem sido utilizado ostensivamente pela
jurisprudência hoje em dia. Não é um modismo acadêmico, é uma forma de fazer
valer a eficácia dos Direitos.
Neste sentido lembrou o professor Bruno Miragem de que o
Diálogo das Fontes não se restringe ao Código Civil e ao CDC. Existem já outras
interações com outros sistemas jurídicos, por exemplo, o Código Civil e o
Estatuto da Criança e do Adolescente no que diz respeito a adoção.
Nossa conclusão acerca da atualíssima aula do professor Bruno
Miragem sobre o tema é: a premissa do Diálogo das Fontes é a defesa dos
Direitos Fundamentais.
* Estas anotação foram feitas com base na aula do professor Bruno Miragem em 20/10/2012 na EPD sobre o tema "Introdução ao Diálogo das Fontes", no curso de Pós-Graduação em Direito Contratual.
[1]
Vide, por exemplo: Introdução à Teoria dos Sistemas, LUHMANN, Niklas. 3ª
Edição. Editora Vozes. Petrópolis, 2011. A Verdade sobre a Autopoiese no
Direito. ROCHA, Leonel Severo, KING, Michael, SCHWARTZ, Germano. Livraria do
Advogado Editora. Porto Alegre, 2009. Para Entender Luhmann. TRINDADE, André.
Livraria do Advogado Editora. Porto Alegre, 2008.
[2] Os
professores Luiz Flávio Gomes e Valério Mazzuoli em seu livro Direito
Supraconstitucional, tecem duras críticas à forma como o direito é ministrado
em várias universidades não contribuindo para sua evolução. Dizem eles:
“A persistência desse pensamento legalista (em pleno
século XXI) vem causando grandes males à boa aplicação do direito. (...) Quem
aprendeu um único modelo de Direito e de Justiça (o legalista) não sabe nem por
onde começar a aplicar o direito constitucional,
o internacional e (nem se diga) o universal.” p.25
[3] Entendo como equidade o equilíbrio social, o
equilíbrio contratual, o equilíbrio dos direitos fundamentais, tudo convergindo
para a justiça e a manutenção de um Estado Democrático de Direito.
Nas palavras de Tulio Ascarelli:
“L’equità può essere considerata non solo come
la giustizia del caso concreto o l’attenuazione dele rigorose conseguenze del
principio date le peculiarità del caso, mas anche come l’affermazione, in
relazione al singolo caso, di um principio nuovo e diverso che, dapprima
applicato singolarmente, può sucessivamente ricevere spplicazione generale.” p.
187, nota 91 in ASCARELLI, Tulio. L’idea di códice nel diritto privato e la
funzione dell’interpretazione. Citado por PERLINGIERI, Pietro.Nozioni
Introduttive e Principi Fondamentali del Dirito Civile. 2ª Edizione. Edizioni Scientifiche Italiane.Roma,
2004. p. 229.
[4] Pautado
aqui em Erik Jayme que foi quem primeiro cunhou o termo Diálogo das Fontes em
um curso em Haya.
[5] Afirmação
feita pelo professor Bruno Miragem em aula e anotada por mim.
[6] Aqui
o termo não é utilizado na sua significação formal, como amor, paixão, ódio
etc, mas com a conotação de sentido, de algo fazer sentido.
[7] Neste
semestre tive a oportunidade de fazer uma aula de Direito Econômico na
Faculdade de Direito da FGV-RJ. Realmente impressiona a metodologia utilizada,
mas não se deve perder o foco de que uma decisão meramente do ponto de vista
econômica pode ser a mais logicamente correta, mas pode não ser a mais justa.
[8] A
prescrição e a decadência são sempre os exemplos clássicos nesta seara.
[9] O
Brasil das 181 mil leis. Em um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, o
País bate recorde de leis, muitas das quais obsoletas - Por Rudolfo Lago
04/04/2007 - Revista Isto É. Em http://mazelasdojudiciario.blogspot.com.br/2009/12/inseguranca-juridica-o-brasil-das-181.html
. Acesso em 23/10/2012.
Ver também: Brasil faz 18 leis por dia, e a maioria
vai para o lixo. Em http://oglobo.globo.com/politica/brasil-faz-18-leis-por-dia-a-maioria-vai-para-lixo-2873389#ixzz2A9asullf
. Acesso em 23/10/2012.
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