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Resenha: Estética, literatura e formação humana: um diálogo entre Honoré de Balzac e György Lukács

 

Resenha

Livro: Estética, literatura e formação humana: 

um diálogo entre Honoré de Balzac e György Lukács
Autora: Lenha Aparecida Silva Diógenes
Editora: Caipora, Marília - SP
Ano de publicação: 2020

 

A literatura, geralmente, é fonte de pesquisa e análises que possibilitem identificar  possíveis conexões entre o autor sua obra e a realidade. Qual realidade? A autora aborda os problemas envolvendo o debate aceda do realismo versus expressionismo cada um descrevendo a realidade social a sua maneira fazendo a crítica da falseabilidade do cotidiano pelo capitalismo. A autora também apresenta o  realismo socialista que por fim não se concretizou, ou então foi deturpado como forma de propaganda do regime de Stálin.

Neste cenário de realismo literário surgem dois gigantes da genialidade humana: Balzac[1] e Lukács[2]. O primeiro foi um grande mestre da literatura francesa no século XIX e o segundo um dos principais filósofo da teoria estética no século XX. Para descrever a relação entre obra e pensamento destes dois grande pensadores, o livro da professora Lenha Aparecida Silva Diógenes: Estética, literatura e formação humana: um diálogo entre Honoré de Balzac e György Lukács, preenche uma importante lacuna nesta área de pesquisa.

O livro é o resultado de quatro anos de pesquisas e leituras, discussões e reflexões (ainda não esgotadas) em seu doutorado desenvolvido entre os anos de 2015 e 2019 na Universidade Federal do Ceará. Não é por acaso. A Universidade Federal do Ceará (bem como a Universidade Estadual do Ceará) encontramos grupos[3] de pesquisadores em estética notadamente no pensamento de Lukács.

A obra está dividida em três grandes capítulos. O primeiro trata da trajetória intelectual e da obra de Lukács. Claro, não se trata de uma biografia do esteta húngaro, mas a autora traz elementos essências de sua vida que contribuem para o entendimento do seu pensamento. Particularmente interessante é sua passagem pelo Instituto Marx-Engels de Moscou (nos anos 30) onde Lukács teve acesso a diversos textos inéditos de Marx e Engels e pode estudá-los. Nesta época que Lukács publica um importante trabalho intitulado “ O Romance Histórico”[4]. A autora irá se pautar nesta vertente do pensamento de Lukács para traçar seu paralelo com Balzac.

No segundo capítulo é feita uma profícua discussão acerca do que vem a ser o realismo na visão de Lukács. A autora nos lembra que Lukács esteve no centro das discussões acerca do realismo (socialista) e qual seria o caráter deste realismo. Ao mesmo tempo em que surgia também o movimento expressionista que também se pretendia ser crítico dos costumes da sociedade industrial de sua época.

Partindo de Water Scott[5] e de como Lukács o coloca no centro do desenvolvimento do romance histórico a autora pega o gancho para fazer a relação entre uma espécie de “evolução” do romance histórico (Scott) para o realismo (Balzac) e como Lukács o concebe. Nos parece que esta relação é bem acertada, pois o próprio Balzac parte de Scott quando este coloca no centro de seus escritos literários pessoas comuns e seus cotidianos, porém em épocas remotas. Balzac faz o mesmo quando utiliza personagens comuns e seus cotidianos, mas no cotexto da sociedade francesa de sua época.

No terceiro capítulo que a autora irá descrever o trabalho do autor francês  com base nos estudos de Lukács.  Irá centrá-lo como grande expoente da “verdadeira literatura realista”, na forma como Lukács desenvolve o tema.

A autora privilegia o leitor apresentando vários trechos da obra de Balzac em português[6]. Isso é importante, pois a partir destas exposições percebe-se a técnica narrativa de Balzac e sua crítica à sociedade francesa pós revolução de 1789 até meados do século XIX.

Mas não é somente na beleza e força da narrativa de Balzac que Lukács sustenta a tese de que o francês é verdadeiramente, ou pelo menos em larga medida, quem cria o realismo. Este realismo tem por característica, dentre outras, apresentar o cotidiano de pessoas do povo, mostrar como o capitalismo (que estava se desenvolvendo na França), substituía seres humanos por mercadoria e o dinheiro era a única forma de conquistas materiais. O trabalho é transformado em uma abstração e passa a ser negociado como mercadoria. Separando esta entidade do ser humano, descaracterizando-o e jogando milhões na mais absoluta miséria. Esta crítica social quem faz, como base no cotidiano, é Balzac.

Não é a toa que Balzac, como descreve a autora, é o autor literário preferido de Marx e Engels. Sua descrição da realidade do povo francês denuncia todos os aspectos do desenvolvimento do capitalismo na França na primeira metade do século XIX.

Com estas  abordagens, divididas em capítulos, a autora demostra o pensamento de Lukács em relação ao realismo – partindo de Walter Scott – e de como Balzac se insere como principal articulista desta força literária, que para Lukács representa a forma revolucionária da literatura em contraste, por exemplo com o expressionismo.

Esta abordagem não é isenta de críticas e de comparações com outros autores que também propõe serem classificados como portadores do romance histórico e/ou do realismo. Mesmo assim a autora deixa claro qual a intenção do filósofo húngaro quando desenvolve esta teoria: revelar o verdadeiro aspecto, e sua possibilidade concreta, de uma literatura que possa ser esteticamente agradável e refletir de maneira contundente à realidade concreta.

Podemos até pensar que existem outras possibilidades e alternativas (e realmente existem) mas não há como não deixar de observar a força das narrativas de Balzac e a construção teórica de Lukács para colocar sobre base sólida o realismo dentro da literatura como um movimento revolucionário. Por esta razão o livro de Lenha Diógenes  apresenta um cenário crítico e uma abordagem adequada do tema para que se possa fazer questionamentos relevantes, não somente sobre o pensamento de Lukács bem como redescobrir (para uns e descobrir para outros) a genialidade de Balzac que tanto impressionou dois outros gênios, Marx e Engels.

 

Carlos Santiago – doutor em ciências socias

Cuiabá setembro de 2020



[1] Escritor francês (1799-1850). Autor das narrativas “A Comédia Humana”.

[2] Foi um filósofo e historiador literário húngaro marxista (1885-1971).

[3] Por exemplo, o grupo de estudos “Estética de Lukács: trabalho, educação, ciência da arte no cotidiano do ser social”, do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário da Universidade Estadual do Ceará, que vem estudando a Estética de Lukács desde 2006.

[4] Lukács, György. O Romance Histórico. São Paulo: Boitempo, 2011.

[5] Escritor escocês (1771 – 1832) autor, dentre outras obras, do romance Ivanhoé.

[6] A edição da Comédia Humana foi dirigida por Paulo Rónai e contempla 88 narrativas perfazendo mais de 11 mil páginas.

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Balzac é um dos autores mais importantes da literatura!

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