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RESENHA: Rabiscos D’Oeste – Alguns versos e um conto


É sempre uma plena satisfação fazer o reencontro de velhas amizades. Foi no bojo desta satisfação que puder reencontrar um velho camarada na leitura de um opúsculo que contém nove poemas e um conto.

Refiro-me ao meu amigo Luis Fernando Franco, historiador e procurador federal.

O doutor Luis Fernando é daquelas figuras que não passam despercebidas em absoluto, seja por seu jeito inusitado de ser, seja por suas cirúrgicas e ácidas críticas aos modus operandi de nossa moderna sociedade. E é graças a este seu rigor intelectual – que chega a ser insolente – que faz com que sempre nos posicionemos a cerca de temas que ele se propõe a debater.

No seu opúsculo “Rabiscos D’Oeste[1] encontramos uma coletânea de nove poemas onde eu dou destaque ao poema oito que versa sobre Fernando Pessoa. 

Nele, o doutor Luis Fernando ilustra a importância da pluralidade de Pessoa “exaurindo todas as possibilidades da vida de um funcionário do comércio convertida em plenitude existencial”.

No entanto, que desafia a imaginação é o conto intitulado “O legado londrino”.

O autor propõe um encontro fictício entre Karl Marx e Sigmund Freud num sinagoga de Londres lá pelos idos de 1882. Se este devaneio ficcional for legítimo temos duas grandes inflexões que são dignas de se observar. Uma é que Marx estaria com cerca de 65 anos de idade e já teria elaborado suas principais ideias acerca das características que moldam o modo de produção capitalista. A segunda é que Freud teria cerca de 25 anos estaria cheio de caraminholas na cabeça acerca da psique.

O doutor Luis Fernando faz uma narrativa do que poderia ter sido este encontro, mas não se propõe em desvendar enigmáticas questões que surgem deste encontro, mas tão somente nos fazer pensar sobre o que Marx propõe ao jovem Freud para que pense no futuro. Como a seguinte questão: “o que vem antes, meu caro (Marx pergunta a Freud), a cura do indivíduo ou a da sociedade? Em suma, para curar o indivíduo é mister antes transformar a sociedade, ou o inverso é que sucede, a saber, a transformação da sociedade presume a cura pregressa dos indivíduos?”

Não existe tema mais atual do que este, principalmente aos olhos de uma sociedade totalmente doentia e de consumismos desenfreados, ao mesmo tempo que prega a necessidade de um desenvolvimento sustentável (sustentável sim, desde que não afete os lucros, claro). Ou ainda que procura enquadrar o indivíduo em formas de condutas específicas (casamento homoafetivo, e mais recentemente danos morais por abandono afetivo) seja dentro ou fora das empresas. 

O valor que serve é apenas o valor que a empresa dita e não a moral social?

Este encontro fictício, elaborado com refinado vocabulário, nos desperta esta curiosidade de vislumbrar se é o ser humano que engendra em sua psique os mecanismos que fazem com que ele segmente a sociedade ou se é justamente os mecanismos sociais que acabam por transformar os indivíduos em personas descaracterizadas de humanidade.

Seja como for, o imaginário do doutor Luis Fernando, mais uma vez, me pôs a pensar sobre nossa condição como agentes (ou não) de transformações (ou resistências) sociais.


[1] O opúsculo pode ser encontrado no site do Clube de Autores, que tem uma iniciativa que julgo fantásticas para os autores marginais, que geralmente não consegue fazer suas publicações em grandes selos editoriais. Vale a pena conferir. http://www.clubedeautores.com.br/books/search?what=Rabiscos+d%C2%B4oeste&sort=created_at&commit=BUSCA. Acesso em 09/05/2012

Comentários

Anônimo disse…
Carlos
o Doutor Luis Fernando é genial mesmo.
abraço
Lincoln
Para você propor um método curativo seja do que for devemos primeiramente fazer o diagnóstico patológico. Ou seja , a sociedade se vê doente? Enquanto não tivermos consciência do que realmente queremos para nós e nossos filhos não poderemos dizer que estamos em uma sociedade doentia e necessita urgentemente de algo que a mude ou melhore.

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